Cátia Liczbinski
A mulher e a violência doméstica na pandemia
A pandemia causada pelo coronavírus colocou à sociedade um fenômeno novo, único e diante do qual um Estado despreparado apresenta incertezas e introduz o "confinamento", que altera o cotidiano, exige adaptações e tem efeitos negativos como o aumento da violência doméstica e dos suicídios, face a educação inadequada e preocupações como desemprego e miséria. Mesmo com leis mais severas e maior repúdio pela sociedade, a violência doméstica é um dos fenômenos sociais que mais cresce no mundo.
De acordo com a ONU, as mulheres estão mais suscetíveis às agressões e com dificuldades de romper o ciclo da violência, já que as medidas de distanciamento social as colocam sob mesmo teto dos agressores. Aprofunda o risco a menor intervenção policial, a dificuldade de acesso à Justiça decorrente do fechamento dos Tribunais, o fechamento de abrigos e serviços para as vítimas e outros.
Segundo o relatório "Violência doméstica durante a pandemia de covid-19", do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), de junho deste ano, solicitado pelo Banco Mundial, os casos de feminicídio cresceram 22,2% entre março e abril deste ano, em 12 Estados, comparativamente ao ano passado. Nos meses de março e abril, o número de feminicídios subiu de 117 para 143. O estado onde se observa agravamento crítico é o Acre, onde o aumento foi de 300%, passando de um para quatro ao longo do bimestre. Também foi destaque negativo o Maranhão, com variação de seis para 16 vítimas (166,7%), e o Mato Grosso, que iniciou o bimestre com seis vítimas e o encerrou com 15 (150%). Os números caíram em apenas três estados: Espírito Santo (-50%), Rio de Janeiro (-55,6%) e Minas Gerais (-22,7%). (Agência Brasil, junho 2020). De acordo com a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), vinculada à ONU, a cada dez feminicídios registrados em 23 países da região em 2017, quatro ocorreram no Brasil. Naquele ano, pelo menos 2 795 mulheres foram assassinadas, das quais 1 133 no Brasil. Feminicídio é o assassinato de uma mulher cometido devido ao desprezo que o autor do crime sente quanto à identidade de gênero da vítima.
O Brasil possui duas leis, a Lei Maria da Penha (11.340) e a do Feminicídio (13.104), que determinam medidas protetivas como afastamento do agressor do lar, até sua prisão. Muitas mulheres, por medo, não denunciam e sequer sabem que a violência não é somente física, mas também psicológica, a sexual (como manter ou a participar de relação sexual não desejada), patrimonial (retenção, subtração, dos seus objetos, documentos, bens), e moral. O socorro está nas delegacias especializadas no atendimento à Mulher (Deam) ou, na falta destas, nas distritais, onde, em local adequado às condições pessoais da vítima e testemunha, profissionais capacitados e exclusivamente do sexo feminino, tomarão as providências cabíveis para o delito.
A severidade das penas (12 a 30 anos) que podem ser aumentadas no caso de morte, ou diante da presença de ascendente ou descendente, demonstra não surtir efeito. Apenas punir escancara a omissão do Estado. A violência doméstica está diretamente ligada à cultura patriarcal, do homem "dono" da mulher que, ao sentir que está perdendo domínio busca, por meio da violência, restaurar sua "posse". É necessário políticas públicas para quebrar esse paradigma, pois somente com uma mudança cultural as mulheres poderão ter o pleno direito a uma vida igualitária, sem ameaça, sem ter sua integridade atingida e suas vidas ceifadas.
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