Cátia Liczbinski
Big Brother e o reflexo social, cultural e jurídico
'Cultura é o sistema de ideias vivas que cada época possui. Melhor: o sistema de ideias das quais o tempo vive' (José Ortega y Gasset)
A "evolução da sociedade" refletiu no surgimento da internet na década de 90 do Século XX, modificando as relações sociais, e da mesma forma a pandemia obrigou a sociedade intensificar a utilização da internet e dos aplicativos e, com o confinamento, também destacou programas como os reality shows. Os programas apresentam pessoas reais e situações que podem ser cotidianas. Como principal exemplo do gênero reality show pode-se citar o Big Brother, cuja primeira temporada mundial foi realizada em 1999 nos Países Baixos. O formato Big Brother, criado por John de Mol, na Holanda em 1999, foi exportado para diversos países sob a responsabilidade da Endemol. No Brasil, a primeira edição foi exibida no ano de 2002 pela Rede Globo de Televisão.
Além do aumento da audiência em relação aos programas da televisão, ampliaram-se os telespectadores no "Instagram" e "Twitter", no Facebook e em outros. A possibilidade da interação do público, além de entretenimento, também traz consequências sociais e jurídicas, pois afloram sentimentos muitas vezes negativos nas pessoas em confinamento,e situações que podem ser a reprodução e formação da opinião pública.
Alguns pontos críticos destacados no âmbito jurídico referem-se aos direitos humanos e fundamentais garantidos na Constituição Federal de 1988 (CF/88) como a intimidade, a privacidade e a liberdade de expressão. A liberdade de expressão é um princípio constitucional tanto da imprensa como das pessoas, no entanto como todos os princípios deve ser ponderado na sua aplicação em relação a outros direitos, como a privacidade e intimidade.
No aspecto jurídico vários outros apontamentos podem ser suscitados como a questão do estupro, bullying, racismo, preconceito, discriminação, violência, "linchamento virtual" dentre outros. Um exemplo na edição de 2021 é o caso da artista Karol Conká que utilizou da liberdade de expressão de forma imoderada, exagerada, criando discórdia e ódio dentro do programa e por seus telespectadores.
É importante esclarecer que existe o aspecto da irrenunciabilidade ou indisponibilidade dos direitos fundamentais, o que impediria a disposição voluntária dos direitos e garantias fundamentais pelos participantes dos reality shows para viabilizarem sua participação na atração. O direito à liberdade restringido, e o direito à privacidade ou intimidade mitigado.
A liberdade de programação pode sofrer limitações quando excede limites da razoabilidade, colidindo com outros direitos e garantias fundamentais e até mesmo colocando em risco o princípio matriz da dignidade da pessoa humana.
O direito à cultura no Brasil está garantido constitucionalmente. O artigo 215, que prevê que o Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes de cultura nacional, apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.
Diante dos princípios constitucionais, é preciso ter o discernimento por parte da sociedade em conseguir compreender a proporcionalidade e razoabilidade dos programas divulgados na TV e redes sociais, considerando o aspecto social, cultural e jurídico.
O princípio da dignidade da pessoa humana está expresso na CF/88, no seu artigo 1, inciso III, como fundamento da República Federativa do Brasil, sendo o princípio matriz de todos os direitos fundamentais e necessita ser preservado. Quando a liberdade de expressão ultrapassa a ponderação pode ensejar um processo judicial e indenização, bem como quando violado o direito à intimidade e expressão.
Um questionamento que apresenta-se é a análise da contribuição ou não de programas de entretenimento como o Big Brother para a sociedade. Particularmente não é um programa da minha agenda cultural, no entanto faz parte da liberdade de expressão televisiva como outras atrações, e a escolha em assistir e interagir é de cada um.
"Tenho zero de preocupação em dar um aspecto cultural ao programa. Acho que tudo é cultura. Big Brother é cultura tanto quanto Guimarães Rosa." (Pedro Bial).
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