CACHOEIRA DO SUL PREVISÃO

Briane Machado

Saramago escreveu

"A pior cegueira é a mental, que faz que com que não reconheçamos o que temos a frente." Essa frase foi sabiamente escrita por José Saramago na obra "Ensaio sobre a Cegueira", publicada em 1995.
Saramago a descreveu como "um livro brutal e violento e, simultaneamente, uma das experiências mais dolorosas da vida".
Quase 25 anos após a sua publicação, estamos vivenciando a longa tortura anteriormente escrita e publicada.
A cegueira, descrita por Saramago, começa em um único homem durante a sua rotina. Rapidamente, ela se alastra e dá início a uma terrível e dolorosa epidemia.
O governo, então, decide agir e coloca as pessoas infectadas em quarentena, com parcos recursos, desvendando, assim, as características primitivas do ser humano.
Saramago mostra, através desta obra intensiva e sofrida, as reações do ser humano às necessidades, à incapacidade, à impotência, ao desprezo e ao abandono, passando a refletir sobre a moral, os costumes, a ética e ao próprio preconceito.
Hoje, em tempos de pandemia e coincidentemente, começando por um único homem, estamos vivendo uma das situações mais caóticas do período contemporâneo e, obviamente, não há nada que nos faça sair da inércia prostática que acomete a sociedade mundial.
A questão é que, diferentemente do livro citado, a cegueira que se alastra na velocidade da luz se refere ao fato de não haver o reconhecimento da gravidade, de querermos tapar o sol com a peneira ou de fazermos vistas grossas ao fato de que não temos mais insumos, dinheiro, condições e, tampouco, responsabilidades sociais e biológicas em nível coletivo.
Fomos colocados no olho do furacão, sem nem sabermos qual será a duração da tempestade e, algumas pessoas fazem questão de alimentar o vento.
Será mesmo que estamos fadados a aceitar o que alguns querem para si? Será que a vida de uns importa mais que a de outros?
Vivemos em território de dimensões continentais onde o coletivo é misto, em que as diferenças vão de zero a cem em questão de alguns metros de distância.
Mesmo assim, a cegueira acomete quem enxerga, mas faz questão de encobrir os erros alheios. A névoa branca é generalizada e não há meios de erradica-la tão cedo.
Em algum momento, o cansaço dará espaço ao vazio da desistência. A resistência que reverbera em alguns, já foi largada por outros. Como viver em um país que se tornou uma bomba-relógio?
"Estamos a destruir o planeta e o egoísmo de cada geração não se preocupa em perguntar como é que vão viver os que virão depois. A única coisa que importa é o triunfo do agora. É a isto que eu chamo a cegueira da razão.".
Bingo!
Mais uma vez, Saramago escreveu nas linhas de sua obra aquilo que está nas entrelinhas das nossas vidas, traçadas pelo anseio de sobreviver ao descaso daqueles que um dia prometeram, mas não estão cumprindo.
Colocamos esperança, fé e solidariedade em doses tão pequenas do que poderá salvar a humanidade, porém, moralmente, estamos em colapso pela enfadonha espera.
Em que momento a sociedade retirará a venda dos olhos para enxergar o que nos foi colocado à frente por inúmeras vezes? Quando teremos o discernimento de colocar na balança os fatos que são narrados dia após dia? Quantos mais perderemos para que a realidade seja concebida da forma necessária para que o alicerce ético seja reconstruído? Somos tão primitivos assim?
"Por que foi que cegámos? Não sei, talvez, um dia se chegue a conhecer a razão. Queres que te diga o que penso? Diz! Penso que não cegámos, penso que estamos cegos. Cegos que veem. Cegos que, vendo, não veem".
Memórias, rastros e caminhos não se dissipam - nem por água, ar, fogo e terra.

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