Cátia Liczbinski
O direito humano da mulher (menina) ao aborto
A legalização do aborto é um tema extremamente complexo no Brasil e no mundo, porque sempre existiu, faz parte da história humana, envolve a mulher e implica em questões técnicas, éticas, jurídicas e religiosas.
Em países considerados de primeiro mundo, como a Alemanha por exemplo o aborto é legal pela escolha da mulher em relação ao seu próprio corpo. Em alguns países existe o limite para abortar em relação ao tempo de gestação, em razão do desenvolvimento do sistema neural do feto, que geralmente se desenvolve até a vigésima semana de gestação. Em outros países mais conservadores ele ainda é proibido.
No Brasil, o aborto é considerado crime pelo Código Penal de 1940 e passível de prisão para as mulheres que se submetem e para quem o realiza. A excepcionalidade ocorre em três casos: quando a gravidez é resultado de estupro (a mulher tem o direito de escolher interromper a gravidez ou mantê-la), para salvar a vida da mulher e, a partir de 2012, gravidez de feto anencéfalo. Ressalta-se que o crime, o processo e as sanções são para a mulher somente, sem considerar que o homem também é responsável pela concepção.
Segundo a ONU, no século 21 o aborto inseguro de forma clandestina é uma das principais causas de mortalidade e morbidade materna. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, cerca de 22 milhões de abortos inseguros ocorrem todo ano no mundo, e estima-se que 47 mil mulheres morram anualmente de complicações decorrentes do recurso a práticas inseguras para a interrupção da gravidez.
A proibição não reduz a necessidade e o número de abortos; ela apenas aumenta os riscos para a saúde e a vida das mulheres e meninas que recorrem aos serviços inseguros e ilegais. O aborto é um escolha extremamente difícil, é uma situação que coloca a mulher em risco, podendo morrer, por isso os motivos são graves. Não é e nem pode ser considerado um método contraceptivo.
Também é comprovado que a proibição do aborto aumenta o número de mortes entre as mulheres que não podem pagar por um aborto seguro.
O Brasil depara-se cada vez mais com a violência doméstica, com os casos de estupro entre meninas e mulheres independente da idade. Recentemente uma menina de 10 anos encontrou-se grávida por violência de familiar sofrida por anos. A dignidade dessa menina foi violentada, sua infância e vida foram destruídas e mesmo com amparo da lei para a interrupção da gravidez por motivo do estupro, ainda existem movimentos contrários ao aborto. Triste realidade a da mulher, da menina por ser mulher, por ainda estar entranhada na sociedade construída historicamente considerando a mulher inferior e para servir ao homem.
Embora o Brasil seja signatário da Convenção Internacional de Belém do Pará que enfatiza o comprometimento da sociedade com a preservação dos direitos de meninas e mulheres, especialmente no tocante ao enfrentamento à violência, os Estados Nacionais ainda estão em dívida no que diz respeito à implantação de políticas públicas para efetivar a implementação do tratado. Os países que têm leis proibitivas ao direito ao aborto legal e seguro, os que criminalizam a interrupção voluntária da gravidez e que não têm políticas efetivas de erradicação da mortalidade materna desrespeitam a Convenção. E aqueles que limitam ou proíbem o acesso das mulheres aos serviços de saúde sexual e reprodutiva, por ação ou omissão, praticam violência institucional contra as mulheres.
Algumas ações tramitam e tramitaram no STF em relação ao caso do aborto até 12 semanas, no caso do Zika Vírus e outros. Não defende-se a prática do aborto, mas a necessidade da descriminalização.
Nas questões relativas ao aborto o Ministro do STF Luis Roberto Barroso, seguido por outros, sempre manteve seus votos com a argumentação que o aborto é "fato indesejável", sendo papel do Estado e da sociedade "procurar evitar que ele ocorra, dando o suporte necessário às mulheres". Reiterando seu próprio entendimento no HC 124.306, destacou que "o tratamento do aborto como crime não tem produzido o resultado de elevar a proteção à vida do feto". Sem entrar na colisão de direitos fundamentais (direitos da mulher e proteção do feto), o ministro asseverou que "mulheres são seres autônomos, que devem ter o poder de fazer suas escolhas existenciais, e não úteros a serviço da sociedade (ADI 5.581).
Nesse sentido quando uma criança de 10 anos ou qualquer idade é violentada física e psicologicamente, quando deveria ser protegida pelos pais, Estado e sociedade, e desta violência resulta gravidez, é DESUMANO existirem argumentos contra o aborto. Além da dor dos estupros, ter que conviver com um filho fruto dessa agressão é condenar à morte em vida essa menina e da criança que irá nascer e saberá que é fruto da VIOLÊNCIA e não do AMOR.
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