CACHOEIRA DO SUL PREVISÃO

João Eichbaum

Entre a oração e a lavagem

O país vive um pandemônio social e político. Decretado o isolamento social, veio no detrás dele a notícia da liberação de seiscentos pilas na Caixa Econômica. Aí uma parte do povo se aglomerou nas lotéricas e nos bancos para saber da grana. E outra parte, com a grana ou cartão no bolso, se aglomerou no supermercado, para comprar álcool gel e papel higiênico.

Nesse cenário de basbaquice coletiva encontrou lugar o decreto espiritual baixado pelo prefeito de Sarandi, instituindo sete dias de orações, para exorcizar a pestilência. O decreto convidava "a população sarandiense para orar durante uma semana, clamando por livramento de todo o mal e pela bênção do Senhor Deus sobre este município e sobre a nação brasileira".

Era convite. Ninguém é obrigado a aceitar convite. E, para arredar dúvidas, o decreto apresentava ressalva: "independente de credo ou religião". Juridicamente, portanto, a peça não se enquadrava em qualquer conceito que representasse exercício de poder. Não se faz convites através de decreto, nem se faz decreto em forma de convite. O Decreto-convite, ou Convite-decreto passa longe de qualquer molde de norma jurídica. Simplesmente não existe no mundo do Direito.

Largada a notícia, Zero Hora correu atrás de um "especialista". Na quarentena, encontrou um professor de Direito, que botou em sua boca de doutor o seguinte embargo: "a medida fere o princípio laico da Constituição Federal".

Pelo jeito, o doutor não passou vistoria no Preâmbulo da Constituição. O distinto ignora que ela foi promulgada "sob a proteção de Deus", estando, por isso, muito longe de aninhar "princípio laico". O Estado laico desconhece divindades.

E mais: é "inviolável a liberdade de consciência e de crença", declara o art. 5º, inc. VI. E, agarrado no art. 150, inc. VI, letra "b" da Constituição Federal, um fruto bastardo da mancebia Igreja-Estado, reforça: é vedado "instituir impostos sobre templos de qualquer credo". Principalmente esse rebento do adultério político de outros tempos impede que a separação entre as duas instituições seja considerada - como devia ser - absoluta.

A propalada "laicidade" do Estado não é princípio. Princípios são ideias basilares, alicerces filosóficos que sustentam alguma coisa. Mas, o Estado brasileiro, longe de se sustentar na laicidade, preserva a crença como um direito fundamental.

O decreto do prefeito, enfim, não pertence ao mundo do Direito e, por isso, não é prato para palpites de jurista. Nem no Direito Canônico ele encontra lugar: o vigário da cidade torceu o nariz quando viu a peça.

Mas o folclore da pandemia não ficou nisso. Mais tarde, entre igrejas fechadas e cabarés abertos, cabarés fechados e igrejas abertas, o povo ficou perdido.

A mais recente patacoada veio do prefeito de Itajaí. O distinto alcaide apregoa um procedimento contra a peste, que só ele talvez conheça: lavagem de ozônio.

Não entendeu? Pois é exatamente o que você está pensando: aplicação de ozônio via retal. Nem precisa consultar "especialista", porque o prefeito é médico. Mas, a receita do prefeito de Sarandi até para ateu será menos pior.

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