CACHOEIRA DO SUL PREVISÃO

Um vírus e duas guerras

Uma mulher é morta a cada 9 horas, aponta estudo

Entre os meses de março e agosto desse ano, 497 mulheres perderam a vida no Brasil. Foi um feminicídio a cada nove horas, com média de três mortes por dia nos seis primeiros meses de pandemia. Os dados são do segundo monitoramento 'Um vírus e duas guerras' feito por parceria entre sete veículos de jornalismo independente, que visa monitorar a evolução da violência contra a mulher durante a pandemia. O primeiro levantamento da série, divulgado em junho, mostrou que nos meses de março e abril, quando iniciou o confinamento da população por causa do vírus, 195 mulheres foram mortas em 20 estados. 

O segundo monitoramento, como no primeiro, analisou os dados pelo número da população feminina desses 20 estados. O índice médio do país foi de 0,34 feminicídios por 100 mil mulheres. Portanto, 13 estados estão acima da média: Mato Grosso (1,03), Alagoas (0,75), Roraima (0,74), Mato Grosso do Sul (0,65), Piauí (0,64), Pará (0,62), Maranhão (0,47), Acre (0,44), Minas Gerais (0,43), Bahia (0,39), Santa Catarina (0,38), Distrito Federal (0,37) e Rio Grande do Sul (0,34).

São Paulo, com 79 casos, Minas Gerais, com 64 e Bahia, com 49 foram os estados que registraram maior número absoluto de casos no período. No total, os estados que fazem parte do levantamento registraram redução de 6% no número de casos em comparação com o mesmo período do ano passado.

Subnotificação

A queda, no entanto, não é um indicativo real de diminuição da violência. Somente 20 estados enviaram os dados solicitados. Os sete estados que não divulgaram todos os dados, de março a agosto de 2019 e 2020, são: Amazonas, Amapá, Ceará, Goiás, Paraíba, Paraná e Sergipe. Além de não enviar todos os dados, o Amazonas não autorizou uma entrevista com a delegada que coordena o recém criado núcleo de feminicídio da Polícia Civil. É ineficiente também nas estatísticas dos estados, os dados sobre raça, etnia, orientação sexual e escolaridade, o que impede de fazer um perfil da mulher que morre todos os dias por feminicídio no Brasil.

Especialistas destacam a questão da subnotificação, uma vez que ainda há confusão entre feminicídio e homicídio de mulheres. "É apressado dizer que a violência contra mulher diminuiu baseado no feminicídio, que expressa a falência total do sistema. Além disso, os números de tentativas de feminicídio seguem em alta e, embora o feminicídio seja o crime menos subnotificado, podemos afirmar que há, sim, subnotificação. A tipificação é muito recente e feminicídios podem ser caracterizados como homicídios. O que podemos afirmar, de fato, é uma redução pontual das notificações", explica Télia Negrão, Conselheira Diretora da Rede Feminista de Saúde.

Para ficar mais claro: feminicídio trata dos assassinatos de mulheres em que o fato de serem mulheres foi fator essencial no crime, já o homicídio de mulheres indica mortes não ligadas a questões de gênero, como mortes em assaltos ou outras formas de violência.

Doze estados registraram queda dos números absolutos de feminicídios, representando uma redução de 23% em relação ao mesmo período de 2019. Rio Grande do Sul e Distrito Federal foram os que mais contribuíram com a diminuição. Por outro lado, em sete estados houve aumento de 23% (38 mortes). Pará e Mato Grosso encabeçam o aumento: 15 e 10 mortes respectivamente.

Ausência de indicadores

Além da ausência de respostas de alguns estados, o levantamento encontrou também como barreira a falta de uniformização dos indicadores usados pelas Secretarias. Poucos estados trouxeram informações sobre raça, orientação sexual ou identidade de gênero, por exemplo, o que acaba por invisibilizar a violência.

A invisibilidade também afeta as mulheres trans e travestis assassinadas no Brasil, país recordista desse tipo de crime. O transfeminicídio não é considerado nas estatísticas oficiais. "O transfeminicídio é um feminicídio, mas não é um feminicídio pela mesma razão, não é o mesmo tipo de ódio que seria um feminicídio contra uma mulher cis. Cunhar essa categoria é essencial para entendermos melhor o fenômeno, para descrevê-lo e para atender melhor essas vítimas. Não é a mesma coisa atrelar o transfeminicídio apenas à cultura da misoginia, existe ali uma transmisoginia", explica o pesquisador Dennis Pacheco, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Já em Minas Gerais, o racismo mostra sua cara em forma de estatística: 61% das vítimas de feminicídio são negras. A maioria, 51%, não concluiu o ensino médio e 70% têm de 18 a 44 anos. Os feminicídios, no segundo quadrimestre deste ano, se mantiveram no mesmo pata-mar do ano passado, mas os casos de violência doméstica aumentaram 2,7% e o desrespeito a medidas protetivas, de julho para agosto, cresceu 22%.

Mesmo assim, doze estados não coletam informações sobre a raça das vítimas: Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins, Paraíba, Alagoas, Espírito Santo, São Paulo e Rio de Janeiro.

Um vírus e duas guerras

A série 'Um vírus e duas guerras' vai monitorar até o final de 2020 os casos de feminicídios e de violência doméstica no período da pandemia. O objetivo é visibilizar esse fenômeno silen-cioso, fortalecer a rede de apoio e fomentar o debate sobre a criação ou manutenção de políticas públicas de prevenção à violência de gênero no Brasil. Ela é resultado de uma parce-ria colaborativa entre as mídias independentes Amazônia Real, sediada no Amazo-nas; #Colabora, no Rio de Janeiro; Eco Nordeste, no Ceará; Marco Zero Conteúdo, em Per-nambuco, Portal Catarinas, em Santa Catarina; AzMina e Ponte Jornalismo, em São Paulo.

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